Buy American again: de volta a 1933

Renata Amaral[*]

 

No último dia 25 de janeiro, em frente a um fundo azul dizendo “O Futuro será feito a América”, o Presidente Joe Biden assinou uma ordem executiva que objetiva forçar o governo federal a comprar mais bens produzidos nos Estados Unidos. Essa era uma das mais importantes promessas de campanha de Joe Biden a fim de dar um novo gás para o setor de manufatura nacional.

“Buy American” – concessão de contratos do governo dos EUA para produtos feitos nos país – não é algo novo nos EUA, e remonta a 1933. De fato, o Buy American Act, previsto no título 41 do United States Code § 10 e segs. é a legislação elaborada pelo Congresso na época da Grande Depressão, e estabeleceu uma regra de preferência geral para a aquisição de materiais fabricados nos EUA quando os materiais estão sendo adquiridos pelo governo dos EUA, para uso público no país.

O que é relativamente novo no país são as duas Ordens Executivas, uma assinada pelo ex-presidente Donald Trump em agosto de 2020, e a segunda pelo presidente Biden agora em janeiro de 2021. A Ordem Executiva de Trump instruiu (i) a agência FDA a desenvolver uma lista de produtos que seriam críticos em uma emergência de saúde pública,  e (ii) exigiu que o USTR retirasse o direito das empresas instaladas em países participantes do Acordo de Compras Governamentais (GPA) da Organização Mundial do Comércio (OMC) e nos Acordos de Livre Comércio (FTA na sigla em inglês) de licitar contratos governamentais para vender produtos nas mesmas condições que os produtos feitos “na América”.

A Ordem Executiva de Biden não rescindiu a anterior assinada por Trump, e é, por um lado mais ampla, pois trata essencialmente de todos os produtos vendidos a agências do governo norte-americano, e por outro lado, mais restritiva porque não viola explicitamente nossos acordos comerciais da OMC ou FTAs.

Em termos de valores, a Ordem Executiva de Biden é relevante porque significa que a maioria dos contratos que ultrapassam US$ 182.000 estão isentos das regras previstas na Ordem – já que esse é o limite na OMC e nos FTAs. Contratos abaixo de US$ 10.000 também estão isentos porque este é o limite do Buy American Act. Portanto, a menos que o contrato esteja entre US$ 10.000 e US$ 182.000, não há muita preocupação por enquanto.

Durante a coletiva no dia 25 de janeiro, Biden reconheceu que os esforços para promover o conteúdo nacional têm sido uma parte familiar das agendas dos presidentes anteriores. Inclusive, o ex-presidente Trump, por exemplo, emitiu regulamentos que aumentam a participação dos componentes de um produto que devem ser produzidos internamente para se qualificar como fabricados nos EUA apenas um dia antes de ele deixar o cargo.

Ainda que não represente uma novidade em si, a Ordem Executiva de Biden confirma a mudança de consenso na política norte-americana do livre comércio para a intervenção direta do governo para promover os fabricantes dos EUA. Nesse sentido, o governo Biden está enviando um sinal claro de que pretende proteger agressivamente os interesses comerciais e comerciais dos EUA e fica claro, ademais, que a nova administração não pressa em inaugurar uma nova era de comércio global e cooperação econômica. A diferença, talvez, é que a nova administração pretende adotar medidas restritivas que respeitem minimamente as regras da OMC.

 

[*] Doutora em Direito do Comércio Internacional. Professora Adjunta na American University Washington College of Law. Idealizadora e co-Fundadora da Women Inside Trade.

POR UM SISTEMA MULTILATERAL DE COMÉRCIO OPERANTE

A partir dessa quarta-feira, 11 de dezembro de 2019, o Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC) conta com menos de três membros – número mínimo para seu funcionamento. Na prática, isso significa que, apesar de seguir existindo, o Órgão torna-se inoperante a partir de hoje, e impossibilitado de apreciar de novas apelações (e ainda não está claro o que acontecerá com as apelações já em andamento).

Não é o fim do sistema de solução de controvérsias, e não é o fim da OMC. Mas o bloqueio do Órgão de apelação a partir de hoje coloca em xeque todo o sistema multilateral de comércio.

A maioria esmagadora das pessoas sabe pouco ou nada sobre a OMC, e menos ainda sobre o Órgão de Apelação. Reflexo disso é a baixa participação popular em discussões sobre o tema e baixa pressão política para colocá-lo na agenda prioritária dos tomadores de decisão do país. No entanto, o bom funcionamento do sistema multilateral de comércio, ainda que imperfeito (claro) é responsável, em grande medida, pela previsibilidade das regras e avanços significativos na integração comercial global.

O sistema de solução de controvérsias, em particular, é uma conquista importante e foi repetidamente referenciado como a “jóia da coroa” da OMC. Simbolizou, em 1995, a transição de um sistema predominantemente diplomático, que privilegiava as economias mais fortes e reforçava assimetrias entre os países, para um sistema vinculante organizado em torno de regras jurídicas claras. Diversas críticas são compartilhadas por muitos Membros da OMC, desde a morosidade do processo, os altos custos para litigar em Genebra e o excesso de opinião dos juízes do Órgão de Apelação (este último um dos principais argumentos dos EUA para bloquear a segunda instância do sistema).

Aumentou também ao longo dos anos demanda por maior participação de organizações não governamentais nos processos e para o tratamento de novos temas nas negociações no âmbito da OMC. Todas as críticas e sugestões de mudanças, no entanto, parecem refletir a relevância do sistema multilateral de comércio, e o reconhecimento de que a OMC é ainda o único foro mundial capaz de entregar regras claras e horizontais para 164 Membros.

Esperamos que a situação atual seja temporária e contribua para uma reformulação positiva do sistema brilhante criado ao final da Rodada Uruguai. O mundo precisa de uma OMC fortalecida e inteiramente operante. Ficar à mercê de jogos de poder entre os países resultará em perde global coletiva.

A rede Women Inside Trade (WIT) foi fundada em 2017, no Brasil, um dos maiores players da OMC, com um propósito relativamente simples: espaço de fala para mulheres profissionais do setor. A concretização desse propósito é muito mais complexa. Envolve promover a conscientização sobre a desigualdade de gênero persistente e seus malefícios para a própria sociedade. Envolve entender e questionar modelos comportamentais e de estruturas institucionais, e apoiar mudanças profundas em políticas públicas, nas organizações e, em última instância, nas próprias mulheres por meio de debate, conexões e atitudes. A rede, hoje com mais de 250 profissionais no Brasil e no exterior, nasce de três convicções basilares:

  • A igualdade de gênero é benéfica para todos;
  • Importa promover, seja por questões sociais e/ou econômicas, a participação de mulheres profissionais competentes no comércio internacional, seja na academia, nas instituições públicas ou no setor privado; e
  • O comércio internacional tem impacto direto na vida das mulheres, seja pelo empoderamento econômico, seja perpetuando estruturas econômicas perversas.

Nesse sentido, a manutenção do diálogo, o fortalecimento do sistema multilateral do comércio e, essencialmente, dos seus mecanismos institucionais para ajustes e correções às práticas desleais de comércio são fundamentais para o atingimento de nosso objetivo.

* Integram a WIT advogadas, professoras, diplomatas, servidoras públicas de diversos ministérios e agências reguladoras, funcionárias de organismos internacionais e representantes de alto nível do setor privado de diferentes setores da economia brasileira. As opiniões aqui expressas não coincidem necessariamente com a posição das entidades a que pertencem.

Seminário Internacional IASP/WIA/WIT – Interfaces entre Concorrência e Comércio Internacional

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17 de outubro de 2019 | das 8h às 16h
Local: Avenida Paulista, 1294 – 19º andar

Valores:
Profissionais
: R$100,00
Estudantes de graduação e pós-graduação: R$ 50,00
(necessário apresentar documento comprovante)

INSCREVA-SE AQUI: https://iasp-loja.lojaintegrada.com.br/seminario-internacional-iaspwiawit-interfaces-entre-concorrencia-e-comercio-internacional

 

PROGRAMAÇÃO

8h – Abertura

Leonor Cordovil (Advogada e Fundadora do WIA)

Verônica Prates (Consultora e Fundadora do WIT)

8h30/10h – Desafios na implementação do Acordo Mercosul-EU: concorrência e comércio

Moderadora: Camila Corvalán (Advogada)

Palestrante: Lígia Dutra (Superintendente de Relações Internacionais da CNA)

Palestrante: Elisa Sardi (Advogada)

10h30/12h – Análise de competitividade: novo governo, nova política?

Moderadora: Carla Junqueira (Advogada)

Debatedora: Juliana Domingues (Universidade de São Paulo)

Palestrante: Mariana Piccoli (Coordenadora-Geral de Interesse Público, do Ministério da Economia)

Palestrante: Mariana Fiordillino (Diretora Jurídica da Novo Nordisk)

12/14h – Almoço no local, com presença de keynote

14h30/16h – Mulheres no comando: desafios e aprendizados

Moderadora: Gabriella Dorlhiac (Diretora Executiva do ICC Brasil)

Debatedora: Márcia Muniz (Diretora Jurídica da Cisco)

Palestrante: Ilana Trombka (Diretora-Geral do Senado Federal)

Palestrante: Adriana Cardinali (Presidente da Cecore – OAB/SP e Diretora Jurídica da Pepsico)

Global Women in Management: Advancing Women’s Economic Opportunities Workshop

Today was the first day of the Global Women in Management workshop that is happening in the United States during the next four weeks. This is a high profile program performed by Counterpart International/The WomenLead Institute and sponsored by the ExxonMobil Foundation’s Women’s Economic Opportunity Initiative.

Our Founder, Renata Amaral, was the only Brazilian selected to represent the country and to participate in this unique opportunity to develop leadership skills with other global women leaders from around the world.

In total, leaders from 21 countries make part of this distinguished group: Angola, Argentina, Brazil, Cameroon, Chad, Cyprus, Egypt, Ghana, Guyana, Indonesia, Kazakhstan, Mauritania, Mexico, Mozambique, New Zealand, Nigeria, Papua New Guinea, Romania, Russia, South Africa and United Arab Emirates.

We are very honored to have Women Inside Trade represented among other spectacular initiatives from amazing global women!

 

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Prorrogação para Submissão de Artigos para o I Livro Women Inside Trade (WIT)

livro

A associação Women Inside Trade (WIT) vem, por meio deste, comunicar que o período para submissão de artigos para o I Livro Women Inside Trade – que visa fomentar a produção feminina especializada e homenagear as pioneiras do setor, em especial, a professora Vera Thorstensen, referência da área no Brasil – foi prorrogado até o próximo dia 30 de agosto de 2019.

Ressalta-se, novamente, que os artigos selecionados pelo Comitê Editorial farão parte do I Livro Women Inside Trade, que será lançado em Brasília e São Paulo em 2020.

Mais informações no Edital de Chamada de Artigos para o I Livro WIT.

 

Atenciosamente,

Comitê Editorial: Carla Junqueira, Fernanda Gianesella, Luciana de Oliveira Sá, Michelle Ratton, Milena da Fonseca, Suelma Santos e Vivian Rocha.

e

Comitê Organizador: Adriane Nakagawa, Andrezza Fontoura, Anna Cortellini, Renata Amaral e Verônica Prates.

Post original da Chamada de Submissão de Artigos – 01/05/2019

 

China’s White Paper on trade negotiations with the US: China wants a deal, but not any deal.

Tatiana Lacerda Prazeres
Senior Fellow at the University of International Business and Economics in Beijing, China
Co-Chair of the WIT Subcommittee on Trade, Women Inside Trade (WIT)

 

China has just issued a White Paper with its positions on the trade negotiations with the United States. Here are some key take-aways of document from 2 June:

  1. China has officially joined the dispute for the narrative about how negotiations derailed. The US had accused China of backtracking, and now China has come forward with its own version of the story.
  2. China stresses that it will not compromise on matters of principle, and they include, for China, the country’s right to follow its own economic path. Some of the most important misgivings from the U.S. do fall under what China considers to be its own development model.
  3. Looking for supportive ears in the US, China makes the point that Americans will be footing the bill of this trade war. In a message for the global community, it also argues that “US trade bullying harms the world”.
  4. China stresses that services and investment must be taken into account in assessing the bilateral economic relations – and not goods alone. China had a USD 48.5bi deficit on services trade with the US in 2018.
  5. The paper also hints at some of the negotiations sticking points. It states, for example, that “one prerequisite for a trade deal is that the US should remove all additional tariffs imposed on Chinese exports and China’s purchase of US goods should be realistic”.
  6. The nationalist tones recently seen in the Chinese media can also be found in the paper. “China does not want a trade war, but it is not afraid of one and it will fight one if necessary.” comes in the introduction. Later on, the paper argues that “in defense of its national dignity and its people’s interests”, China had to respond to the US tariffs. It also makes the point that the US will not be able to hold back China’s development.
  7. Despite all that, a key message emerging from the paper is that China is indeed interested in a deal. Not any deal, though.

The views expressed in this post do not necessarily reflect UIBE or WIT’s positions.

O “Cinturão” da China peca pelo excesso, não pela maldade

*Tatiana Lipovetskaia Palermo

Há poucos dias, a China realizou o segundo fórum no âmbito da sua notória “Belt and Road Initiative – BRI” (que vem sendo traduzido, pela mídia brasileira, como a “Iniciativa do Cinturão e da Rota”). Apesar do pequeno número de países participantes (apenas 37) e da pouca presença de chefes de estado, o encontro chamou a atenção mundial. E o comunicado conjunto assinado no final do fórum foi emblemático em vários aspectos.

Lançada há 6 anos com ambiciosos projetos na área de infraestrutura, essa iniciativa se tornou uma bandeira da política externa da China e já abrange acordos com 125 países e 29 organizações internacionais, conforme dados do portal oficial da BRI. O alcance geopolítico impressiona. Além da Ásia e da Europa, a nova “rota da seda” chega à África e, mais recentemente, à América Latina (Chile e Peru, por exemplo, anunciaram sua adesão formal à BRI).

Não são apenas projetos de conectividade. O escopo atual é muito mais abrangente. O comunicado conjunto prevê compromissos de coordenação de políticas públicas, de preservação de meio ambiente, de redução de protecionismo comercial, de integração financeira, de cooperação tecnológica e na área digital, de facilitação de comércio e de movimentação de pessoas, além de inúmeros outros temas. A linguagem parece um contraponto aos posicionamentos atuais dos Estados Unidos. A China se projeta defendendo o multilateralismo e a globalização.

Nos últimos anos, a China chegou a anunciar planos de investir cerca de US$ 1 trilhão entre 2017 e 2021, construindo conexões marítimas e terrestres: ferrovias, estradas, hidrovias, gasodutos e linhas de transmissão de energia. Esse valor é próximo ao que a China possui hoje em títulos do governo americano  (cerca de US$ 1,13 trilhão), como suas reservas cambiais. O número pretendido é sete vezes maior do que o montante que os Estados Unidos investiram, em valores atualizados, no Plano Marshall, que reconstruiu a Europa após a Segunda Guerra Mundial.

O gigantismo da ambição chinesa causa desconfiança e preocupações tanto da comunidade internacional quanto dentro do próprio país. O segundo fórum foi marcado por protestos e questionamentos por parte da sociedade civil da China.

A maior parte dos recursos é desembolsada via empréstimos aos governos dos países participantes, com juros ou sem juros. Há, também, investimentos diretos. Os dados sobre os empréstimos são pouco transparentes. No portal oficial, não há informações sistematizadas.

Já com relação aos investimentos estrangeiros diretos, o portal informa que a China transferiu mais de US$ 90 bilhões para projetos nos países do BRI no período de 2013-2018. Na semana passada, foram assinado acordos que preveem mais US$ 64 bilhões em investimentos.

Os projetos são assinados com muita pompa e contam com ampla divulgação na mídia. Mas a iniciativa enfrenta muitas dificuldades. Várias obras anunciados não saíram do papel ou estão suspensas, e há casos de desistência de países como Paquistão, Malásia, Bangladesh e alguns outros, de continuar projetos negociados ou até já iniciados. Há em curso uma ampla reavaliação e renegociação de obras.

A pouca transparência e o crescente endividamento dos países participantes têm provocado acusações de que a China pratica uma “debt-trap diplomacy” (diplomacia da armadilha do endividamento), seguindo suas ambições políticas, econômicas e até militares, contaminando a situação econômica e ameaçando a soberania dos países participantes da BRI.

Nessa chuva de acusações e avaliações negativas, achei curiosa a postura mais ponderada da revista The Economist. Um recente artigo diz que não há evidencias de que a China esteja agindo de má fé nos investimentos em infraestrutura: “apesar de os empréstimos serem preocupantes, eles não são mal intencionados. O problema é o superdimensionamento”.

A The Economist cita uma pesquisa feita pela Johns Hopkins University quando afirma que houve apenas um caso, dentre mais de 3.000 mil obras analisadas, que poderia caracterizar prática predatória por parte da China: Em 2017, o Sri Lanka, que encontrava dificuldades financeiras para pagar um empréstimo chinês, acabou transferindo o porto Hambantota para uma estatal chinesa através de um contrato de leasing por 99 anos.

Em dezenas de outros casos de dificuldades, a China renegociou as condições, reduzindo os valores a serem pagos e facilitando a quitação de dívidas. Então, conforme a The Economist, a prática desleal “foi uma exceção e não a regra”.

O problema não é a má fé, mas a falta de preparo na estruturação de projetos, que são superdimensionados e caríssimos. A ausência de estudos sérios e de preparação profissional de projetos, além da falta de uma avaliação competente de risco financeiro e de credibilidade do pagador, faz com que os orçamentos de obras sejam superestimados e os juros cobrados, muito altos. Como resultado, há muitas obras que não são viáveis financeiramente.

Isso é especialmente grave no caso de países pobres e em situação financeira vulnerável. E o endividamento de alguns países já é insustentável. Conforme dados da The Economist, a dívida pública do Paquistão, que hoje é o maior tomador de empréstimos chineses, já chega a 70% do PIB do país e deve ultrapassar 80% até 2024 com as obrigações financeiras contraídas com a China. Há vários outros países em situação parecida ou até pior.

A The Economist aponta para um outro problema: a ambição da China na concepção da BRI. Estudos recentes do Banco Mundial demonstram que os projetos de transporte no âmbito do cinturão poderiam elevar o PIB mundial em 3%, que é um impacto maior do que o que poderia ser esperado com uma ampla redução de tarifas por meio de acordos de livre comércio.

A conectividade global que facilita o comércio e o desenvolvimento virou o foco da atuação política da China nos últimos anos. Em alguns casos, a dimensão dos projetos beira a obsessão.

O Brasil nunca aderiu à iniciativa. Apesar disso, chegou a receber algumas propostas ambiciosas, como por exemplo, a de financiar a construção de uma ferrovia bioceânica, que atravessaria o território brasileiro, conectando os oceanos Atlântico e Pacífico – projeto antigo, mas que nunca saiu do papel. A viabilidade ambiental e financeira dessa obra é duvidosa.

Vale mencionar também o Fundo Brasil-China para Expansão da Capacidade Produtiva, no valor de US$ 20 bilhões (dos quais US$ 15 bilhões seriam da China), criado em 2015 para fomentar investimentos em infraestrutura e em outras áreas econômicas. O Brasil chegou a escolher projetos que poderiam ser financiados pelo fundo, mas nenhum deles foi viabilizado até agora.

A China insiste que a BRI foi criada com a intenção de ajudar e que os países podem escolher participar ou não. Nenhum deles foi forçado a aderir. Sendo de participação voluntária ou não, a iniciativa traz riscos para a estabilidade financeira não só dos tomadores, mas da própria China, cujos bancos correm o risco de ter uma grande exposição a créditos podres.

Talvez por isso a China esteja ampliando o escopo da iniciativa. O cinturão hoje não se limita aos projetos de infraestrutura física. É muito mais abrangente. Com essa reformulação, a participação dos países nessa iniciativa passa a trazer mais vantagens, algumas inesperadas. O exemplo que me chamou a atenção foi que a China assinou acordos sanitários e fitossanitários com os países da BRI dando acesso ao seu mercado a cerca de 50 produtos agropecuários importados.

O “novo” Cinturão, ao ir além das obras de infraestrutura, pode significar a aproximação e a remoção de barreiras comerciais. Ao mesmo tempo, falando da China, não podemos esquecer que não se trata de um país democrático com economia de mercado e princípios liberais. Nem fechar os olhos para as políticas domésticas autoritárias ou para a expansão militar.

Nesse sentido, a China não está pronta para substituir os Estados Unidos e a União Europeia na liderança global.  Mas vamos dar o benefício da dúvida em relação ao Cinturão: pode ser que a China esteja pecando por excesso, não por maldade.

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Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo no dia 03 de maio de 2019. Foto: Kostas Tsironis/Blooomberg.

Tatiana Lipovetskaia Palermo é Mestre em Direito Empresarial Internacional com carreira de mais de 20 anos na área de comércio exterior, investimentos estrangeiros e políticas públicas, atuando em vários setores na Rússia, nos Países Baixos e no Brasil. Foi Secretária-Executiva Adjunta da Secretaria-Geral da Presidência da República (2017-2018) e Secretária de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2015-2016).

Chamada de Submissão de artigos para o I Livro WIT

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A associação Women Inside Trade (WIT) tem o prazer de anunciar a organização de seu 1º livro em comércio internacional. Com lançamento previsto para março de 2020, a obra visa fomentar a produção feminina especializada e homenagear as pioneiras do setor, em especial, a professora Vera Thorstensen, referência da área no Brasil.

Alinhado aos objetivos da entidade, voltados a dar publicidade aos trabalhos de alto nível realizados por mulheres, para este primeiro livro, serão aceitas apenas submissões de artigos inéditos de autoras. Ademais, os artigos deverão partir de contextualização do Brasil e versar sobre temas relacionados à trajetória profissional da Professora Vera Thorstensen, tais como:

  1. Organização Mundial do Comércio
  2. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
  3. Acordos preferenciais de comércio
  4. Sustentabilidade e comércio
  5. Coerência e Convergência Regulatória
  6. BRICS e suas políticas comerciais
  7. Comércio e Investimentos

Faça parte desta iniciativa! Submissões até 30/06!

Mais informações no Edital de Chamada de Artigos para o I Livro WIT.

Comitê Editorial: Carla Junqueira, Fernanda Gianesella, Luciana de Oliveira Sá, Michelle Ratton, Milena da Fonseca, Suelma Santos e Vivian Rocha.

Comitê Organizador: Adriane Nakagawa, Andrezza Fontoura, Anna Cortellini, Renata Amaral e Verônica Prates.