12ª Conferência Ministerial (MC 12) da OMC

Julho 2022 – 33ª edição

  • A MC12 foi um marco na história da Organização. O Pacote de Genebra reforça a importância do multilateralismo, com resultados concretos em segurança alimentar, waiver das regras do TRIPS para produção de vacinas da COVID-19 em países em desenvolvimento, renovação da moratória para transmissões eletrônicas e um acordo em subsídios a pesca. Na sua visão, qual a relevância desses compromissos? Quais trarão mais benefícios para o comércio internacional e para o Brasil? 

 

Os avanços obtidos na MC 12 revestem-sede grande importância para o comércio internacional ao manter a continuidade do sistema multilateral. Após sete anos sem progressos e diante de tantos obstáculos e visões antagônicas, o encontro de posições e o distanciamento de retrocessos, neste momento, colocaram-se fundamentais. Apesar das pretensões mais ambiciosas do setor agropecuário, como a redução de apoio doméstico, a melhoria de acesso a mercados e um maior dinamismo nas necessárias reformas da OMC, a manutenção e evolução das regras multilaterais são essenciais, pois foram fundamentais para destacar o país no cenário agrícola mundial. De forma mais específica, ressalto o acordo de subsídios à pesca, primeiro da OMC que aporta um objetivo primordialmente ambiental em seu núcleo e responde aos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU.

Embora ainda insuficiente para interromper a sobrepesca, o documento resulta de anos de negociações e consolida a concordância dos membros em reduzir aportes públicos que favorecem o esgotamento de recursos marinhos. O acordo proíbe os subsídios que contribuem para a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada. Merece destaque a criação de um novo fundo para fornecimento de assistência técnica e capacitação para países em desenvolvimento, com o objetivo de promover a implementação de novas regras e o aprimoramento da gestão pesqueira. 

Em um momento em que a insegurança alimentar está no topo das preocupações mundiais, o novo acordo fortalecerá as economias azuis, cujos meios de subsistência e nutrição dependem da pesca e do uso sustentável dos recursos marinhos. Ainda para o contexto atual, coloca-se primordial a Decisão sobre o Programa Mundial de alimentos, em que os membros se comprometem a não impor proibições ou restrições à exportação de alimentos adquiridos para fins humanitários não comerciais pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP).

Não se pode deixar de mencionar a Declaração em Segurança Alimentar. Os Ministros reiteraram a importância do comércio para garantir a segurança alimentar mundial e assumiram o compromisso de facilitar as trocas comerciais, garantindo o funcionamento dos mercados globais de alimentos. Neste sentido, qualquer medida adotada deve minimizar distorções, ser transparentes, focadas e temporárias, além de notificadas e implementadas conforme as regras da OMC.


  • A reforma da OMC foi objeto de discussão, com compromissos para ter um sistema de solução de controvérsias em funcionamento até 2024. Quando funcional, o Brasil foi um dos membros da OMC mais ativo do mecanismo, inclusive no agronegócio. Como o sistema está funcionando atualmente e o que podemos esperar para as negociações de sua revisão?

 

O sistema atualmente tem funcionado de forma precária. A falta de operabilidade do Órgão de Apelação permite aos países contestados protelarem, por meio da chamada “ apelação no vazio ” , o cumprimento das decisões dos painéis, anulando na prática os resultados dos processos. O Brasil tem sentido os efeitos controversos deste contexto. Especificamente no setor agropecuário, que sempre foi muito demandante e beneficiado pelo mecanismo, há resistência para implementação das determinações dos painéis do frango com a Indonésia e do açúcar com a Índia, recentemente concluído. 

É importante fazer um parêntese para lembrar a adesão do Brasil ao MPIA, o acordo plurilateral interino sobre solução de controvérsias e a Lei nº 14.353, há pouco promulgada, que permite ao país suspender concessões ou outras obrigações no caso de descumprimento de obrigações multilaterais por membro da OMC. Essas foram formas encontradas pelo Governo para contornar a inoperância atual. Quanto ao resultado da MC 12 sobre o tema, entendo que o Declaração é um avanço. 

O compromisso de se alcançar uma solução até 2024 é importante como mandato para se resgatar e aprimorar a operacionalidade do sistema, reforça as tratativas em curso e estimular o seguimento das discussões. Pode-se esperar trabalho intenso dos especialistas nos próximos dois anos. Em Genebra, observa-se uma mudança importante na postura dos americanos, que se demonstram mais empenhados para o encontro de uma solução satisfatória para a crise do sistema de solução de controvérsias. Pode-se esperar trabalho intenso dos especialistas nos próximos dois anos. Em Genebra, observa-se uma mudança importante na postura dos americanos, que se demonstram mais empenhados para o encontro de uma solução satisfatória para a crise do sistema de solução de controvérsias. Pelo lado brasileiro, o posicionamento certamente será bastante construtivo em qualquer que seja o formato que venha a se desenhar ao logo das negociações. Acredito que o país apoiará processos que enderecem a discussões e a soluções efetivas, que aportem consistência às decisões.


  • Apoio doméstico é um tema importante para o Brasil que ficou de fora do Pacote de Genebra. Estudo recente do IPEA demonstrou que entre 2016 e 2018, 53 países, desenvolvidos e em desenvolvimento, forneceram uma média anual de US$ 528 bilhões em apoio direto aos agricultores. Qual o impacto do apoio doméstico nas exportações brasileiras e o que podemos esperar da OMC sobre o tema?

 

Infelizmente não foram possíveis avanços em apoio doméstico, fator de desequilíbrio no comércio internacional e, também, ameaça ao meio ambiente. Apesar da competitividade brasileira no agronegócio, os aportes de apoios distorcivos prejudicam ou impedem o acesso brasileiro. Tais medidas geram prejuízos ao produtor nacional, sejam pequenos, médios ou grandes, que investem em tecnologia, inovação e buscam a utilização eficiente de recursos, naturais ou econômicos. Como destaca o atual adido agrícola em Genebra, Rafael Mafra, “ o apoio doméstico é como uma competição esportiva em que um atleta treina muito e o outro utiliza dopping para melhorar seu desempenho. 

Não é o melhor atleta quem ganha. É desleal”. Um fato pouco difundido, mas de extrema relevância são os impactos que subsídios podem gerar na sustentabilidade. O dispêndio energético necessário para se manter um animal aquecido durante os áridos invernos em determinados países, por exemplo, contrasta com a criação de gado em um país tropical, onde a energia possui, frequentemente, uma pegada de carbono significativamente menor.

O encontro de um equilíbrio que permita o incremento sustentável da produção agrícola mundial passa pela priorização de meios de produção que dependam de menos recursos naturais e de menos insumos para alcançar seus resultados. O tema, contudo, é bastante controverso. Apesar do compromisso dos membros em avançar nessa reforma, há interesses em se manter a possibilidade de aportes de políticas internas que distorcem o comércio. Espera-se que a agenda avance na construção de modalidades de negociações até a próxima Ministerial. A moderação nesse importante pilar das regras multilaterais é essencial para a sustentabilidade ambiental, o comércio justo, a renda dos produtores e a segurança alimentar.


Entrevistada: Ana Lúcia Oliveira Gomes é formada em Administração com Habilitação em Comércio Exterior, pela União Educacional de Brasília, especialista em Gestão Estratégica de Comércio Exterior pela Universidade de Brasília; Servidora Pública no cargo de Analista de Comércio Exterior desde fevereiro de 1999; Cargos de chefia deste 2002 no então Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, entre os quais Chefe da Divisão de Controle e Acompanhamento de Acordos Comerciais do Departamento de Negociações Internacionais até 2008; Coordenadora-Geral, Substituta, de Negociações de Acordos Comerciais até 2008; Chefe da Divisão de Aladi e Mercosul (2009/2011); CoordenadoraGeral, Substituta, de Aladi e Mercosul (2009/2011); Coordenadora-Geral de Aladi e Mercosul, entre 2011 e 2017. Nesse período também foi o Coordenadora Brasileira do Comitê Técnico nº 01 do Mercosul – Tarifas, Nomenclatura e Classificação Tarifária. Em maio de 2017 foi nomeada Coordenadora-Geral de Acesso a Mercados do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Atualmente, desde janeiro de 2019, é Diretora de Comércio e Análises Comerciais da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do MAPA.