Reforma tributária e comércio internacional

Setembro 2023 – 44ª edição

  • Qual reforma estamos discutindo?

     

A Câmara dos Deputados aprovou, em julho de 2023, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2019 que reformula o sistema tributário brasileiro. O texto está sendo apreciado nesse momento pelo Senado Federal.

A PEC propõe a substituição dos principais tributos de consumo (PIS/COFINS, ICMS, IPI e ISS) por dois tributos nos moldes de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), conforme muito empregado na experiência internacional.

A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) serão dois tributos de igual dinâmica e diferentes alíquotas e competências, o primeiro federal e o segundo estadual/municipal. A premissa para definição das alíquotas é a manutenção da arrecadação total atual (definida ao longo do período de transição).

Além dos dois tributos, a proposta também prevê um Imposto Seletivo (IS) com fins extrafiscais que deve incidir sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Outras características do texto atual que vale destacar:

  • Receita líquida como base de cálculo (“por fora”) e arrecadação no destino;
  • Alíquota reduzida (40% da alíquota padrão) para produtos e serviços pré-definidos, como alimentos, saúde e educação;
  • Regimes especiais para setores específicos, como instituições financeiras, construção e combustíveis.

Para avaliação do seu impacto no comércio internacional a característica mais importante da reforma é a não cumulatividade e o creditamento amplo. Ou seja, seguindo o modelo IVA, cada elo das cadeias produtivas pagará o tributo referente ao seu valor adicionado, o que significa tomar crédito de tudo que foi recolhido anteriormente por sua cadeia de fornecedores (custos, despesas e investimento).

Isto é, uma empresa pagará os tributos referente ao seu faturamento, porém descontará todo tributo que vier destacado em nota das aquisições que fizer para sua operação, sem restrições.

A reforma tributária, dada pela PEC 45/2019, tem como objetivo principal simplificar e trazer maior eficiência para o sistema tributário brasileiro. A expectativa é que após a reforma da tributação de consumo tenha início a discussão da reforma da tributação da renda.

  • Como ela afeta a competitividade das exportações?

 

Um dos principais pontos negativos da tributação de consumo atual são os chamados “resíduos tributários”: custos dos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva e que não são compensados. Esse “efeito cascata” na tributação, que onera os custos de produção, é gerado pelos tributos cumulativos e pela restrição na tomada de crédito em tributos não cumulativos que hoje são relevantes no sistema tributário.

A dimensão dos resíduos tributários é crescente conforme certas características das cadeias produtivas: i) tamanho da cadeia, quanto mais longa, maior a possibilidade de geração de resíduos ao longo dos elos; ii) predominância de empresas enquadradas no regime cumulativo; iii) gastos não considerados como insumos passíveis de geração de crédito, como serviços, por exemplo.

As exportações brasileiras acabam encarecidas face aos produtos de outros países. Apesar de produzirem para mercados estrangeiros, e, portanto, serem desonerados dos tributos atuais, os setores exportadores utilizam bens e serviços comprados no mercado interno, carregando no seu preço uma carga tributária não compensada ao longo da cadeia. Enquanto a maioria dos países tende a desonerar as exportações, a persistência desse modelo no Brasil impede que as exportações sejam plenamente desoneradas. Isto se reflete em preços mais caros e perda de competitividade no exterior.

A reforma tributária prevê, além da desoneração das exportações de IBS e CBS, o creditamento amplo de sua estrutura de custos, despesas e investimentos reduzindo, e até eliminando em muitos casos, os resíduos tributários que comprometem a competitividade da produção nacional.

  • Como ela afeta a competitividade do produto nacional frente aos importados? 

 

Por um lado, a proposta sugere igualar a tributação de nacionais e importados o que permite reduzir/eliminar também os resíduos da produção voltada a mercado interno.

Atualmente, as importações, muitas vezes, acabam sendo favorecidas em relação à produção nacional no que diz respeito aos tributos de consumo, na medida em que não carregam este resíduo tributário. Isto porque, da mesma forma que as exportações, a produção voltada ao mercado doméstico também carrega tributos não compensados na sua estrutura de custos e investimentos, ao passo que as exportações da maioria dos países chegam no Brasil desonerados.

O creditamento amplo e a incidência isonômica entre produção nacional e importação tende a garantir maior competitividade aos produtos nacionais frente aos importados.

Vale destacar algumas fontes de resíduos que permanecerão, de acordo com o texto atual: a presença de empresas do Simples Nacional no meio da cadeia (que geram, mas não tomam crédito) e produtos isentos (que também não tomam crédito).

  • Como ela trata questões de classificação fiscal no comércio exterior?

 

São comuns conflitos de classificação de produtos no comércio exterior que geram insegurança jurídica e distorções concorrenciais que podem ser reduzidas e até eliminados com o tratamento mais isonômico dos produtos e serviços.

Produtos muito parecidos têm incidência tributária distintas (casos dos perfumes e água de colônia, bombom e waffer, entre muitos outros). Isso cria uma insegurança jurídica e muitas vezes custos tributários indesejados para a indústria nacional.

O tratamento isonômico entre todos esses produtos poderá resolver esse tipo de questão.

  • Como a reforma conversa com instrumentos atuais de competitividade do comércio exterior no Brasil, como Reintegra, Drawback, Acordos de Compras, entre outros?

 

Atualmente, o Governo detém instrumentos para tratar exatamente das falhas da tributação que afetam a competitividade internacional da economia brasileira.

Hoje, por exemplo, o Reintegra (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras) atua no retorno de uma estimativa de resíduo tributário e o Drawback, regime aduaneiro, permite a importação de insumos usados na produção voltada à exportação sem tributos. Com o creditamento amplo, a aplicação desses programas nos tributos de consumo deixa de ser necessários (se mantém na restituição de outros tributos).

Os acordos de compras, em geral, possuem cláusulas de equiparação tributária, que no contexto atual da tributação brasileira é complexo de realizar. Com apenas dois tributos, mais transparentes, a complexidade se reduz.

  • Quais os riscos/distorções que o texto atual implica sobre as compras públicas?

 

Atualmente, a PEC não define em quais situações haverá incidência nas compras do Governo, deixando uma brecha para um possível diferencial de tributação sobre compra de importados e nacionais em função da identificação do contribuinte.

Caso haja a incidência, pode surgir situações em que as compras no mercado externo sejam mais vantajosas do que comprar no mercado interno. Veja, na importação, o contribuinte (quem recolhe os tributos) é o importador. No caso do importador ser o Governo, este sendo imune aos tributos de consumo, ou seja, não há incidência de impostos. Já na compra do Governo no mercado interno, o contribuinte é o vendedor, logo haveria incidência. Em suma, o Governo compraria no mercado externo sem tributos e no mercado interno com tributos.

Esse é um ponto de atenção, seja para discussão da PEC, seja para a definição das leis que vão regulamentá-la.

 

Entrevistada: 

Verônica Lazarini Cardoso é gerente de projetos da área de Economia do Direito da LCA Consultores. Atualmente é a líder do Comitê de Diversidade e Inclusão da empresa. Graduada e mestre em Economia (UFMG e UFJF respectivamente). Se especializou em projetos ligados à tributação, comércio internacional, políticas públicas e análises econômicas aplicadas a litígios. Trabalhou em projetos de pesquisa para o IPEA e CEDEPLAR, com foco em economia industrial e regional.