Análise sobre a visita presidencial aos EUA

Fevereiro 2023 – 39ª edição

  • Em meados de fevereiro foi realizada visita presidencial aos EUA para estreitar as relações bilaterais. Quais foram os principais pontos relacionados à visita do ponto de vista de política comercial? 

A visita do Presidente Lula foi uma primeira oportunidade para estabelecer uma agenda de trabalho com os Estados Unidos, com o objetivo de dar orientação para as diversas áreas temáticas que compõe as relações entre Brasil e Estados Unidos. Do ponto de vista da política comercial, os presidentes mencionaram na declaração conjunta a importância de promover o comércio e remover barreiras. Mais importante do que os objetivos em si são os instrumentos a ser utilizados na persecução de resultados concretos. A pauta tradicional de política comercial vem sendo sistematicamente expandida de modo a estabelecer associação mais direta entre o comércio internacional e ouras políticas públicas. Nesse sentido, é interessante notar como a agenda comercial bilateral com os Estados Unidos também tem incorporado novos elementos, a julgar, por exemplo, pelo compromisso dos dois presidentes em avançar na discussão sobre a resiliência das cadeias de suprimentos, que abre possibilidades comerciais em vários setores (produtos médico-hospitalares, minerais críticos, semicondutores, etc…), e na discussão sobre transição energética, na qual o Brasil tem o potencial de exercer papel de liderança em função do perfil de nossa matriz energética e da expertise acumulada em tecnologias de energia limpa.  

  • Os líderes se comprometeram ao avanço da agenda de direitos humanos, inclusão social e direitos das minorias. Na sua opinião, há indícios de ações concretas nesta frente, especialmente considerando a pauta de equidade de gênero? 

Trata-se de temas prioritários tanto para o governo Lula como para a administração do presidente Biden. A presença da Ministra Anielle Franco na comitiva presidencial é importante indicativo do papel que temas sociais terão na agenda bilateral. Em relação especificamente à pauta de equidade de gênero, destaco o compromisso da administração Biden com a promoção de oportunidades para mulheres como importante premissa no delineamento das mais diversas políticas públicas. A pauta de equidade de gênero esteve presente tanto na agenda da Ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante visita aos Estados Unidos, em janeiro passado; quanto na agenda da Representante de Comércio dos Estados Unidos, Katherine Tai, que visitou o Brasil recentemente, o que nos permite assumir que o tema ganhará projeção não apenas na pauta social, mas também em outros segmentos das relações bilaterais.  

  • Além da visita realizada ao presidente Joe Biden, o presidente Lula também teve agendas com representantes da Federação Americana de Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO) e temas como comércio e sustentabilidade (ambiental e laboral) também foram abordados. O que esperar dessas interações do ponto de vista de Política Comercial e como o setor privado pode se mobilizar? 

Padrões trabalhistas e ambientais no comércio internacional são prioridades absolutas para a administração Biden e, em diferente medida, preocupações compartilhadas por importante parcela do espectro político norte-americano, pelo setor privado e, finalmente, pelos consumidores. São temas recorrentes nas interações dos Estados Unidos com seus parceiros comerciais, o que indica que também com o Brasil essa pauta poderá ganhar projeção. Como elemento concreto, destaca-se que a renovação do Sistema Geral de Preferências, uma das prioridades elencadas pelo setor privado brasileiro no comércio com os Estados Unidos, se dará a partir da incorporação de critérios de elegibilidade relacionados a meio ambiente e trabalho, o que exigirá das empresas beneficiárias especial atenção. O engajamento do setor privado é fundamental tanto nas discussões sobre o tema, mas sobretudo na promoção das melhores práticas ambientais e trabalhistas como parte do esforço de promoção dos produtos e serviços brasileiros.  

  • No último dia 08 de março, a representante de Comércio dos Estados Unidos, Katherine Tai, participou de reuniões no Brasil. Quais os principais compromissos firmados na ocasião, especialmente a respeito do aprofundamento do Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC) e a respeito do posicionamento do governo Biden a respeito da situação atual da OMC?

Em relação ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC), Brasil e Estados Unidos têm duas linhas de ação a serem seguidas: a implementação do protocolo ao acordo (facilitação de comércio e administração aduaneira, boas práticas regulatórias, e anticorrupção), que entrou em vigor no ano passado; e exercício exploratório para a identificação de potenciais novos temas que possam a ser objeto de aprofundamento regulatório no marco do acordo de 2011. Em relação à OMC, ambos países se mostram comprometidos com as discussões sobre a reforma da organização e engajados nas consultas internas, cabendo explorar meios de ação concreta frente aos efeitos sistêmicos da virtual paralisia da organização em seus pilares negociador e de soluções de controvérsias. 

 

Entrevistada: Carolina Costellini é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. É diplomata de carreira desde 2007. Atualmente exerce a função de chefe do setor de política comercial na embaixada do Brasil em Washington. Também serviu nas embaixadas do Brasil em Buenos Aires e Nova Délhi, atuando em temas econômico-comerciais. Foi subchefe da divisão do Itamaraty responsável pelas negociações de acordos de livre comércio com a União Europeia, Canadá e EFTA e chefe da Divisão de América do Sul-III.