Outubro 2023 – 45ª edição
- Em artigo recentemente publicado pelo Jota, em conjunto com Michelle Ratton Sanchez Favaretto e Otávio Venturini, você aborda a nova direção das políticas internacionais de comércio dos EUA, de caráter mais unilateral e competitivo que as estruturas multilaterais e colaborativas tradicionais, como o Marco Econômico Indo-Pacífico para a Prosperidade (IPEF) e a Parceria para Prosperidade Econômica (APEP), cujos parceiros ainda deverão ser decididos. Você pode comentar sobre o porquê do artigo e seus principais focos de análise?
O artigo é resultado de nossas pesquisas no Núcleo de Direito Global e Desenvolvimento (NDGD). Focamos a análise na estrutura e linguagem dos novos acordos que estão sendo negociados pelos Estados Unidos, para saber o quanto são distintos dos outros acordos e parcerias. Possuem estrutura aberta, flexível e não-vinculantes, portanto não necessitam autorização do Congresso americano. O governo Trump já vinha celebrando “mini-trade deals”, que também não necessitavam autorização do Legislativo. O Protocolo celebrado com o Brasil sobre Boas Práticas Regulatórias, Combate à Corrupção e Facilitação de Comércio é um exemplo desse tipo de mini-acordo. Agora, o governo Biden amplia essa tendência
- Considerando o fenômeno global de fragmentação das relações internacionais em blocos a partir de suas afinidades políticas, “friend-shoring”, quais os riscos e as oportunidades para o Brasil desses movimentos?
Os acordos podem influenciar a geração de novos blocos de comércio regionais, criar novas áreas de influência, mas é importante lembrar que eles não tratam dos tradicionais temas comerciais, como tarifas e acesso a mercados, e sim de diversos outros temas. Como disse Katherine Tai, “comércio é apenas um componente de um programa muito mais amplo”. O APEP, que é a iniciativa para as Américas, cobre tópicos específicos, não mencionados no IPEF, voltado à Ásia. Um deles é “fortalecer as instituições públicas, desenvolver o setor privado e alavancar níveis maiores de investimento”. Uma das iniciativas concretas relacionadas a esse pilar é o fortalecimento de investimentos por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em especial o seu braço privado, o BID Invest.
- Entre os pilares de ambos IPEF e APEP está a sustentabilidade, biodiversidade e descarbonização. Trata-se de temas especialmente sensíveis para países em desenvolvimento e grandes produtores de commodities, como é o caso do Brasil, que vêm apresentando resistência a novos regulamentos internacionais unilaterais nesses tópicos (por exemplo, o CBAM e o regulamento anti-desmatamento da União Europeia). O modelo norte-americano apresenta a mesma ameaça às cadeias de produção brasileira ou se trata de um risco diferente?
As abordagens entre os IPEF/APEP e os regulamentos europeus são bastante distintas. Os pilares dos IPEF e APEP que tratam de energia limpa, descarbonização e infraestruturas estabelecem padrões para o comércio e investimentos. São parte de uma estrutura mais ampla. Em princípio não preveem qualquer sanção e não há ainda um conjunto claro de regras. Podem alavancar investimentos, mas não é possível, nesse momento, vislumbrar riscos ou “ameaças” ao Brasil. Porém, os Estados Unidos também já tem uma versão de mecanismo de ajuste de carbono na fronteira em andamento no Congresso (Clean Competition Act). Se aprovada, equivalerá ao CBAM.
- No artigo, o novo posicionamento dos EUA é caracterizado como parte de uma resposta ao avanço da influência chinesa sobre o pacífico e o continente americano. No Brasil, a partir da nova administração, a China deixou de ser vista como um grande inimigo comercial, e a posição brasileira tem se tornado mais neutra. É possível que o Brasil se veja na rota de colisão entre EUA e China, do ponto de vista comercial?
Na nossa opinião, o Brasil nunca viu a China como “inimigo comercial”, Na administração anterior, apesar das notícias constantes na mídia sobre a Huawei, o comércio entre os dois países se expandiu e em 2019 o Brasil assinou com a China acordos nas áreas de infraestrutura, agropecuária, exportação de carne e energias renováveis. Do mesmo modo, o Brasil possui diversos acordos com os Estados Unidos em temas específicos, no formato de Memorando de Entendimentos (MoUs) e protocolos de cooperação. Frise-se que o Brasil não possui acordos de livre comércio nem acordos de investimento, tanto com os Estados Unidos quanto com a China. Portanto, esses movimentos de aproximação e afastamento do Brasil com os dois países devem ser analisados com bastante cautela e a partir de dados concretos.
Entrevistada:
Magali Favaretto é doutoranda e pesquisadora em Direito e Desenvolvimento – Direito Internacional pela Fundação Getúlio Vargas. Magali escreveu artigo sobre os novos padrões regulatórios dos EUA publicado pelo Jota, conjuntamente com Michelle Ratton e Otávio Venturini.