Compliance e Comércio

Março 2021 – 21ª edição

  1. Você foi nomeada recentemente para o Comitê de Sanções do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sendo a primeira mulher nesta posição. O que isso significa neste momento e quais seus objetivos nessa posição?

 

O BID é uma das principais fontes de fomento para projetos na América Latina e mantém compromisso irrestrito com o combate à corrupção nas suas operações. Poder contribuir para que os recursos investidos pelo BID sejam, de fato, destinados aos que precisam é um grande motivo de orgulhopara mim. O Comitê de Sanções do BID é a segunda instância, responsável pela análise de apelações, em casos envolvendocorrupção, fraude e/ou cartel em projetos financiados pelo Banco. O Comitê tem, ao longo dos anos, enfrentado um volume maior de casos, com crescente nível de complexidade. O Comitê possui quatro membros externos, sendo eu a únicamulher e latina. Acredito que a minha nomeação como Presidente reforce o compromisso do Banco com diversidade.Meu objetivo primordial é assegurar que os casos continuem aser apreciados com o nível de excelência característico do trabalho do Comitê.

 

  1. Como você enxerga a interação das áreas de comércio internacional e compliance?

 

Iniciei na área de Compliance e White Collar mais amplamente, quando atuei no escritório de Washington-DC do King & Spalding LLP. Logo vi uma grande convergência, sobretudo entre a aplicação do FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) e da legislação norte-americana e internacional referente a Controles à Exportação. Acredito que a experiência em processos administrativos sancionadores na área de Defesa Comercial também permitiu que eu aprendesse a dinâmica de defesas administrativas, aprendizado que utilizo na minha atuação como advogada em processos administrativos instauradas sob a Lei Anticorrupção e também nos processos que decido no Comitê de Integridade do Conselho de Administração da Petrobras. Outro ponto de interação que identifico refere-se ao fato de que atos de corrupção afetam a dinâmica de mercado e favorecem, muitas vezes, os competidores locais, mais próximos às autoridades públicas, em detrimento dos estrangeiros, historicamente mais sujeitos a requisitos rígidos de compliance. Daí o impacto da corrupção sobre o acesso a bens e serviços em mercados emergentes, como o brasileiro.

 

  1. O que podemos esperar de avanços e evoluções no compliance de comércio exterior no Brasil?

 

Esta é uma área que considero importantíssima por reduzir a exposição de empresas a riscos legais. Tais riscos incluem a exposição à violação às leis anticorrupção devido ao elevado nível de interaçõescom funcionários públicos no processo de internação e exportação de produtos. Vale notar importantes precedentes que levaram a multas elevadas em decisões do Departamento de Justiça Norte-americano (DOJ), como o caso da Ralph Lauren, envolveram subornos para acelerar o processode importação de mercadorias. Há, ainda, os riscos decorrentes da inobservância dos requisitos tarifários e não tarifários no contexto da importação e exportação de produtos, também poder ser mitigados por um programa de compliance bem estruturado na área de comércio exterior. Vejo que as empresas estão cada vez mais atentas à importância desses programas, que dotam sua operação de maior eficiência e mitigam os riscos. Entendo que os principais requisitos de um programa efetivo são políticas e processos claros que protejam a empresa e seus colaboradores.

 

  1. Como desenvolveu sua carreira até chegar a esta nomeação no BID e que sugestões teria a quem deseja trilhar caminho semelhante?

 

Iniciei minha carreira internacional em 1999 com um curso na Corte Internacional de Justiça em Haia. Na sequência, fiz um estágio na Corte, o que me qualificou para receber uma bolsa de estudos do Conselho Britânico (Programa Chevening). Fiz mestrado no King’s College, Universidade de Londres, e depois trabalhei em um escritório de advocacia internacional, também em Londres, e na UNCTAD em Genebra. Tive a oportunidade de ser Fulbright Visiting Scholar na Universidade de Georgetown e de trabalhar em um escritório norteamericano, em Washington-DC. Essa trajetória internacional, iniciada na área de Comércio, permitiu que eu me qualificasse para esta posição. Nesse processo, precisei superar vários medos e inseguranças que foram, aos poucos, perdendo força à cada pequena conquista. Foi, sem dúvida, uma trajetória de muito investimento pessoal, mas sempre compensado com amor pelo que estava fazendo. Sugiro que aqueles que sintam essa mesma paixão pela carreira internacional não desistam e sigam confiantes, que vale a pena! Eu daria duas dicas adicionais: (i) aproveitem as oportunidades que se apresentam, ainda que não seja o ideal que busca. Há sempre um contato, um aprendizado e uma porta que se abre; (ii) tenham flexibilidade para lidar com as situações e aprender com seus erros.

 

Entrevistada: Adriana é advogada, com sólida formação acadêmica e ampla experiência doméstica e internacional representando clientes em temas relativos a corrupção e condutas relacionadas, além de assuntos associados a comércio internacional. Preside o Comitê de Sanções do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e integra o Comitê de Integridade do Conselho de Administração da Petrobras. Além disso, preside o subcomitê de Compliance, Comitê Anticorrupção, da IBA.