
Janeiro 2025 – 49ª edição
O ano que começa será cheio de novidades para as especialistas de comércio internacional.
A disputa entre as duas potências, Estados Unidos e China, fraturou o sistema econômico multilateral, construído ao longo dos últimos 70 anos. As organizações internacionais criadas para permitir uma governança global mais equitativa perderam protagonismo e atualmente enfrentam profundas crises de identidade. As crises financeiras, a pandemia e as guerras na Europa e no Oriente Médio, além da concentração de riquezas em poucos países, demonstram a fragilidade da construção da ordem internacional. As dificuldades de cooperação nas áreas de economia digital e mudanças climáticas desafiam a arquitetura de todo o sistema de cooperação mundial.
Nesse contexto, uma nova área de conhecimento emerge, oferecendo um novo referencial analítico para se entender as complexidades do mundo atual – a Geoeconomia.
A Geoeconomia procura examinar a dinâmica da interrelação entre Economia Internacional, Direito Internacional e Relações Internacionais, com o objetivo de melhor entender as múltiplas crises que geraram a multipolaridade do contexto internacional.
Em síntese, geoeconomia analisa o uso de instrumentos de comércio e investimentos internacionais, bem como das finanças internacionais, como meio para se atingir objetivos geopolíticos. Trata-se de War by other means ou the weaponization of trade (Backwill, Harris, 2016).
Os principais atores desse grande jogo internacional são Estados Unidos e China. Alianças compõem o cenário: Global West (EUA, Europa e aliados) contra o Global East (China, Rússia e aliados). Países emergentes em desenvolvimento, com interesses difusos se agrupam em diferentes geometrias, flexíveis e instáveis, com denominações que variam de Global South, Middle Powers ou Global Rest (Índia, África do Sul, Indonésia, Turquia). Os grandes lances desse jogo podem ser traçados desde a primeira década dos anos 2000, com a integração da China ao sistema multilateral do comércio e sua emergência como potência econômica e militar.
Os objetivos de busca de poder e de riquezas da geopolítica tradicional, baseados em conquistas territoriais e na força das armas, agora são também obtidos por meio de instrumentos econômicos do comércio e investimentos ou das finanças. Tais instrumentos podem ser usados tanto para a cooperação quanto para a coerção sobre os demais parceiros, e podem trazer resultados tão eficientes quanto os das armas, sejam elas tradicionais ou tecnológicas. Mas as consequências podem ser danosas para o sistema multilateral.
O uso estratégico de instrumentos econômicos e financeiros para promover interesses geopolíticos ganha centralidade, evidenciando como os ganhos econômicos tornam-se instrumentos de poder e influência no contexto internacional, como proposto pela nova governança econômica ou economic statecraft.
A fragmentação das cadeias globais de valor e a regionalização do comércio são reflexos diretos da competição entre superpotências. A guerra tecnológica exemplificada principalmente pela disputa no setor de semicondutores entre os Estados Unidos e a China, ilustra a importância da geoeconomia no planejamento estratégico de nações e empresas. Nesse contexto, emergem ideias e conceitos com profundos impactos na economia, como o decoupling nos Estados Unidos contra a China e o derisking na Europa com relação à Rússia e China. A consequência se reflete na alteração ou mesmo quebra das cadeias globais de valor e na estratégia de reshoring ou nearshoring para descrever as novas alianças regulatórias que facilitam o comércio e a produção e o investimento entre países ditos aliados.
Os principais instrumentos analisados pela Geoeconomia permitem identificar efeitos positivos e negativos e podem cobrir diferentes setores. Podem afetar países, empresas ou indivíduos. São eles:
– Comércio: elevação de tarifas, restrições a exportações ou importações, estabelecimento de quotas, medidas (measures) e normas (standards) técnicas, sanitárias, fitossanitárias ou ambientais, subsídios para alavancar novos setores, regras de origem, conteúdo local, compras governamentais ou sanções por meio de regulação interna, regulação de serviços e de propriedade intelectual. Participação ou não em acordos preferenciais de comércio tipo de regulação negociada.
– Finanças: investimentos condicionados, controle de origem dos investimentos (screening), empréstimos subsidiados, doações, contribuições ou perdão de dívidas, restrições ao fluxo de capitais ou ao controle de capitais, taxas de câmbio, venda de títulos ou ativos, transferências financeiras (Swift) ou sanções financeiras.
– Assistência econômica: condicionamento de doações, ajuda alimentar ou sanitária, direitos humanos, exigências ambientais, regras sobre emissão de carbono ou sobre direito dos trabalhadores. Regras para remessas de divisas, grau de condicionalidade nas atividades de cooperação
– Tecnologias de ponta: incentivos ou restrições ao desenvolvimento ou ao uso de novas tecnologias, plataformas digitais, chips e semicondutores mais avançados, inteligência artificial, cibersegurança, além de restrições à proteção da propriedade intelectual (patentes e direitos autorais).
A nova ordem internacional já começou. A lógica da Geoeconomia não segue mais as regras do sistema internacional de comércio. Mas quais são as novas regras? Como as especialistas de comércio devem se preparar para atender a esses novos desafios? Quando regras internacionais já estabelecidas se confrontam com regras nacionais protecionistas e baseadas em conceitos de segurança, o que podem fazer os países afetados? Como o Brasil deve se preparar?
Esses são os desafios do mundo atual!
Toda uma nova área a ser explorada.
Ao trabalho, pessoal!!!
Autora:
Vera Thorstensen é Coordenadora do novo FGV – EESP – Centro de Geoeconomia do Comércio Internacional.