Gênero é um fator essencial na complexa relação entre comércio, crescimento e desenvolvimento. Desde o desigual acesso à saúde ou distribuição das tarefas domésticas, à maior vulnerabilidade à violência sexual, as diferenças em acesso à educação, condições salariais, representatividade e participação política: são diversas as formas como se apresenta a desigualdade pelo mundo ainda nos dias de hoje. São também diversos os estudos que indicam que desigualdade de gênero não diz respeito apenas às mulheres, mas à sociedade como um todo, limitando direta e indiretamente desde o crescimento de empresas ao desenvolvimento socioeconômico de países.
Estudo da consultoria McKinsey, por exemplo, aponta que companhias com maior diversidade de gênero e etnia têm entre 15% e 35% mais probabilidade de superar os concorrentes, respectivamente. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), reduzir as desigualdades de gênero em 25% até 2025 poderia liberar 5,8 trilhões de dólares para a economia mundial e aumentar as receitas fiscais. Ainda, segundo indica o Doing Business Report 2017 do Banco Mundial, a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, a nível global, poderia aumentar a produtividade per capita em 40%. O Banco Mundial conclui: conceder às mulheres as mesmas oportunidades dadas aos homens melhora a competitividade e a produtividade, o que, por sua vez, tem impacto positivo no crescimento e na redução da pobreza.
Não à toa, ‘alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas’ foi elencado como o quinto entre os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015, que países do mundo todo se comprometeram a cumprir até 2030. As metas do ODS 5 envolvem, entre outros aspectos, a garantia da participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública. Isso está atrelado à adoção e ao fortalecimento de políticas sólidas e legislação aplicável para promover a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas, em todos os níveis.
O avanço globalmente, no entanto, tem sido aquém do necessário. O último Relatório Global de Desigualdade de Gênero 2017, lançado no Fórum Econômico Mundial, mostra que, apesar dos progressos lentos, mas constantes, alcançados na última década, o ano de 2017 não foi tão bem-sucedido. A diferença entre homens e mulheres em relação a índices de saúde, educacionais, políticos e econômicos aumentou pela primeira vez desde 2006, quando esses registros começaram a ser feitos. O índice classifica 144 nações com base em quão perto estão de alcançar isonomia entre os sexos. E mais, o relatório estima que levará 217 anos para haver igualdade de gênero em termos econômicos em todo o mundo. Nenhum país eliminou esta brecha até então.
Em relação à igualdade salarial, o Brasil está na 129ª posição, sendo a diferença entre homens e mulheres em cargos executivos superior a 50% – atrás de países como Irã e Arábia Saudita. Resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam até um retrocesso. Embora as mulheres brasileiras já alcancem nível de formação superior ao dos homens, ocupamos apenas 37,8% dos cargos gerenciais em 2016, comparados a 39,5% em 2011 – uma queda de 1,7 pontos percentuais em cinco anos. Em 2016, a média de rendimento dos homens no Brasil foi de R$ 2.306, enquanto das mulheres foi de R$ 1.764 – em média, 76,5% do montante recebido pelos homens.
Esta é uma tendência global. Segundo a OIT, entre a população economicamente ativa, 53% das mulheres, em comparação com 40,4% dos homens, completaram dez ou mais anos de educação formal. No entanto, o desemprego feminino (9,1%) é 45% superior à desocupação entre os homens (6,3%). Em 2017, a taxa de participação na força de trabalho global para o público feminino foi de 49,4%. Entre os homens, o índice chegava 76,1%.
Em que pese os setores da ciência e tecnologia sejam vitais para as economias dos países, as mulheres representam atualmente menos de 30% da força de trabalho de pesquisa e desenvolvimento no mundo, segundo estimativas do Instituto de Estatísticas da UNESCO. Para a diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Audrey Azoulay, e a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, a maioria dos países – industrializados ou não – está longe de alcançar a paridade de gênero em disciplinas como ciências, tecnologia, engenharia e matemática, em todos os âmbitos do sistema educacional.
Neste contexto, fica evidente que, a fim de reduzir a vulnerabilidade de mulheres, de empoderá-las e aumentar a participação feminina no mercado de trabalho, é preciso que gênero seja incorporado ativamente em todos os níveis de política – inclusive em política comercial.
Enquanto a liberalização comercial traz consigo o potencial para maior crescimento econômico, geração de empregos e estabilidade política – proporcionando condições para maior bem-estar social – os efeitos de políticas comerciais são diferentes para homens e mulheres devido ao acesso desigual a recursos e ao processo decisório – desde o âmbito familiar, às empresas e aos governos. A fim de que os benefícios sejam devidamente distribuídos para atingir a todos da população e todas as oportunidades sejam efetivamente aproveitadas, políticas comerciais precisam levar em consideração aspectos culturais e sociais – dentre os quais, o gênero.
Reconhecendo isso, a temática foi incluída no âmbito do comércio internacional e, de fato, foi um dos grandes destaques do ano de 2017 com a assinatura da Joint Declaration on Trade and Women’s Economic Empowerment, durante a 11ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Buenos Aires. Pela primeira vez na história da OMC, 118 Membros – incluindo o Brasil – e observadores concordaram em aprovar uma iniciativa conjunta para aumentar a participação das mulheres no comércio. Segundo a OMC, as mulheres compreendem 90% da força de trabalho em zonas de processamento de exportação em vários países em desenvolvimento.
Por meio da Declaração de Buenos Aires, os Membros concordaram em:
- Compartilhar suas respectivas experiências relacionadas a políticas e programas para incentivar a participação das mulheres nas economias nacionais e internacionais por meio do intercâmbio de informações da OMC, conforme apropriado, e relatórios voluntários durante o processo de revisão da política comercial da OMC;
- Compartilhar as melhores práticas para a realização de análises, baseadas no gênero, das políticas comerciais e para o acompanhamento dos seus efeitos;
- Compartilhar métodos e procedimentos para a coleta de dados desagregados por gênero, o uso de indicadores, metodologias de monitoramento e avaliação e a análise de estatísticas focadas no gênero relacionadas ao comércio;
- Trabalhar em conjunto na OMC para eliminar as barreiras para o empoderamento econômico das mulheres e aumentar sua participação no comércio; e
- Garantir que a Aid forTrade apoie ferramentas e conhecimentos para analisar, projetar e implementar políticas comerciais mais favoráveis ao gênero.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) orienta ainda que, a fim de tornar a política comercial mais sensível às questões de gênero – e assim garantir que as mulheres também se beneficiem da liberalização comercial e, ao mesmo tempo, contribuam para o avanço desta agenda – faz-se necessário promover a participação feminina nas negociações comerciais, implementar estratégias nacionais de exportação sensíveis ao gênero, apoiar setores específicos de particular interesse e participação feminina, fomentar a criação e a manutenção de redes empresariais femininas e os serviços de desenvolvimento de negócios sensíveis ao gênero.
Como a ONU, a OMC e a OCDE, também outras organizações internacionais têm exercido papel fundamental para colaborar com os governos a alcançar o ODS5. Ao redor do mundo, é possível indicar importantes iniciativas para a promoção da igualdade de gênero, principalmente no ambiente do comércio internacional. Como exemplo, citamos o SheTrades, do International Trade Centre (ITC) e the Association of Women in International Trade.
Inspirado nestas iniciativas, em 2017, foi criada, no Brasil, a iniciativa Women Inside Trade Brasil (WIT) com o intuito de contribuir para o empoderamento econômico feminino, influenciando e fortalecendo o ambiente de comércio internacional e dando maior publicidade aos trabalhos realizados por mulheres profissionais desta área de atuação. Idealizada pela Diretora de Comércio Internacional da Barral M Jorge Consultores Associados (BMJ), a Dra. Renata Amaral, a iniciativa reúne hoje mais de 80 mulheres do Governo Federal, do setor produtivo e da academia, e tem sido um espaço produtivo de troca de informações e reflexões.
Autora(s):
Andrezza Fontoura é advogada especialista em Relações Internacionais pela UnB e co-fundadora da iniciativa Women Inside Trade.
Verônica Prates é internacionalista com especialização em Comércio Exterior pela FGV e co-fundadora da iniciativa Women Inside Trade.
*Artigo originalmente publicado no Portal Comex do Brasil em março de 2018.