Inteligência Artificial: desafios regulatórios

Agosto 2022 – 34ª edição

  • Com o desenvolvimento da Inteligência Artificial, vários países vêm discutindo qual seria a melhor forma de regulamentar a tecnologia. Como está essa discussão? Quais são os maiores desafios?

 

A maioria dos países hoje possui uma série de recomendações, diretrizes e/ou estratégias nacionais que enderecem a regulamentação dos usos e aplicações de Inteligência Artificial (IA). No entanto, são poucos os que possuem leis ou algum outro tipo de regulação com maior enforcement em vigor. Isso porque a maioria dos governos enfrenta o desafio de equilibrar o desenho de uma regulamentação que seja capaz de garantir a proteção aos direitos humanos e fundamentais, a segurança jurídica necessária para os negócios e o desenvolvimento do mercado. A China é um dos poucos países com regras em vigor – as Disposições de Gerenciamento de Recomendações Algorítmicas do Serviço de Informações da Internet começaram a valer em março deste ano e são baseadas em princípios de transparência e limitação dos algoritmos de recomendação, também alcançando analytics e machine learning, partes da IA. A União Europeia também possui discussões avançadas, por meio do Artificial Intelligence Act (AIA) proposto em abril de 2021 e que aguarda deliberação pelo Parlamento Europeu, podendo começar a vigorar nos próximos anos. O AIA é baseado em quatro níveis de riscos, que vão do mínimo ao inaceitável, buscando equilibrar o gerenciamento de riscos com seu propósito.

  •  No Brasil, a regulamentação da Inteligência Artificial também está sendo debatida pelo Congresso. Como está essa discussão?

 

Em setembro de 2021 a Câmara dos Deputados deu um passo simbólico ao aprovar, em caráter de urgência, o Projeto de Lei nº 21/2020, que estabelece o Marco Regulatório da IA. O projeto possui um caráter principiológico e traz definições acerca do que é considerada uma IA, os princípios que guiam sua aplicação, tal como o respeito a ética e aos direitos humanos, o desenvolvimento econômico e sustentável e o estímulo à autorregulação, mediante adoção de códigos de conduta e de guias de boas práticas, inclusive globais. O projeto seguiu para análise no Senado, onde tramitam outras duas matérias (PL 5051/19 e 872/21) que tratam do mesmo tema. Sob críticas de ter tido uma aprovação apressada e para ampliar o debate, no final de março deste ano, o presidente do Senado decidiu instaurar uma Comissão de Juristas que ficou encarregada de apresentar um parecer para subsidiar as discussões. A expectativa é que o grupo apresente até 12 de agosto uma minuta de texto, que será analisada pelos senadores e poderá substituir as três propostas.

  • Já há algum acordo que aborde a temática de IA? Princípios para políticas de IA que a OCDE desenvolveu e da qual o Brasil é signatário.

 

Apesar de poucos, já há acordos que abordam diretamente IA e Singapura é um dos países precursores em acordos bilaterais através dos “DEA” (Digital Economy Agreements). Em todos os quatro DEAs (Austrália, UK, Chile, Nova Zelândia e Coreia do Sul), os países acordaram em buscar marcos regulatórios de governança ética em IA, baseados em transparência e em uso centrado em humanos. Há também menção sobre o tema nas conversas entre a UE e os EUA, através do Trade & Technology Council. No âmbito multilateral, um marco foi em 2019, quando 42 países, entre membros e não-membros da OCDE, incluindo o Brasil, adotaram a Recomendação sobre Inteligência Artificial. E em novembro de 2021, os 193 países-membros da UNESCO chegaram a um acordo sobre a Recomendação internacional sobre a Ética na IA, que aborda questões sobre transparência, responsabilização e privacidade, e com capítulos sobre políticas orientadas para a ação sobre governança de dados, educação, cultura, trabalho, saúde e economia. 

  • O uso de Inteligência Artificial também tem adotado no comércio exterior. Quais são os exemplos? Já temos algo no Brasil?

 

Algumas aplicações mais comuns de IA são na otimização de estoques, embarques de cargas e na análise de documentos e emissão de certificados. A OCDE publicou recente Policy Paper com um estudo bem interessante do uso da tecnologia como forma de reduzir barreiras ao comércio. No Brasil, dois interessantes exemplos que temos de tecnologias desenvolvidas localmente são o SISAM (Sistema de Seleção Aduaneira por Aprendizado de Máquina), baseada em Machine Learning e em uso desde 2014 para verificações em declarações de importação e a Intelligent and Integrated Customs Transactions Analyzer (ANIITA), que usa a extração de dados de diversos sistemas para realizar um gerenciamento de risco aplicado à liberação de cargas. Além disso, o próprio Portal Único de Comércio Exterior deverá adotar o uso de IA para o gerenciamento de riscos. Inclusive, Brasil e Estados Unidos acordaram, por meio do Protocolo ATEC recentemente promulgado, em utilizar IA no aperfeiçoamento da eficiência de seus sistemas de gerenciamento de riscos. 

Entrevistada: Nádia Marucci é bacharel em Relações Internacionais pelo UniCEUB e pós-graduada em Gestão de Negócios pelo IBMEC. Atua há mais de 10 anos nas áreas de relações governamentais, comércio internacional e política industrial e inovação, em âmbito nacional e internacional. Atualmente é Coordenadora de Relações Institucionais na Ryto Public Affairs, consultoria estratégica em Public Affairs, especializada em inovação e novas tecnologias. Anteriormente, foi Líder da equipe de Competitividade e Emprego da PATRI Políticas Públicas e trabalhou como consultora de comércio exterior para a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Ministério da Saúde.