O acordo de livre comércio Brasil-Chile

Outubro 2021 – 28ª edição

  • O acordo de livre comércio Brasil-Chile, assinado em 2018, é o primeiro finalizado pelo Brasil que inclui questões de gênero. O que o acordo prevê nessa temática?

 

O acordo estabelece áreas de cooperação entre as partes e indica formas de fazer essa cooperação. As áreas incluem desde educação financeira de mulheres, empreendedorismo, capacitação em diversos setores, participação em tomadas de decisão, criação de redes de mulheres, acesso a financiamento, até políticas de cuidado e levantamento de dados e realização de análises de vários tipos. E as formas de cooperar são seminários, cursos, visitas, diálogos, etc. É realmente muito amplo em termos de possibilidades.


  • O acordo já foi aprovado pelos Poderes Legislativos do Brasil e do Chile. Quais os próximos passos para sua entrada em vigor?

 

Está no texto do acordo que a entrada em vigor ocorrerá 90 dias após a Secretaria-Geral da Associação Latino-Americana de Integração (SG-ALADI) notificar as Partes – Brasil e Chile – da comunicação da última Parte de que foram cumpridos os requisitos legais internos. Como o Chile já fez sua comunicação à ALADI, ainda em 2020, assim que o Brasil o fizer e a SG-ALADI notificar – o que costuma ser no mesmo dia – começamos a contar os 90 dias. Abro parênteses aqui para recordar que o acordo entre Brasil e Chile é, na verdade, o 64º Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação Econômica No. 35 (ACE-35) entre MERCOSUL e Chile, de 1996. A SG-ALADI é depositária do ACE-35 e de seus protocolos adicionais. Os acordos da ALADI têm essa característica de flexibilidade que permite abrigar uma ampla gama de temas sob um mesmo guarda-chuva institucional. Voltando aos passos para a entrada em vigência, o Congresso Nacional brasileiro já encaminhou o acordo aprovado para o Executivo dar seguimento aos procedimentos burocráticos finais para a entrada em vigor. Esses procedimentos se dão em duas vertentes. De um lado, a Delegação Permanente do Brasil junto à ALADI, em Montevidéu, será instruída a comunicar à SG-ALADI a aprovação do Congresso Nacional. Com isso, a SG-ALADI notifica as Partes e começam a contar os 90 dias. No Brasil, é preciso, em paralelo, providenciar o decreto de promulgação para que o instrumento passe a ter validez no ordenamento jurídico nacional. A Casa Civil da Presidência da República, a Secretaria-Geral da Presidência da República e o Itamaraty se coordenam para publicar o decreto de promulgação no Diário Oficial. Por fim, ainda que o Acordo em si entre em vigor nos prazos indicados, cabe registrar que alguns compromissos muito específicos poderão ter prazos ou cronogramas diferentes, estabelecidos nos capítulos pertinentes.


  • O Chile já tem compromissos sobre comércio e gênero em seus acordos comerciais com outros países e, recentemente foi concluído o Acordo de Gênero e Comércio Global (GTAGA) pelo Chile, Canadá e Nova Zelândia. A negociação com Brasil teve como referência algum desses acordos internacionais e traz regras previstas no GTAGA?

 

As principais inspirações para o capítulo que acordamos com o Chile foram os acordos anteriores desse país com Argentina e Uruguai. A estrutura é muito similar, com consideranda e referência a acordos e princípios comuns, bem como a indicação de áreas de cooperação e formas de cooperar. O conteúdo não é idêntico, mas é bastante convergente. O GTAGA também segue essa estrutura, mas estabelece uma revisão periódica de implementação.


  • Na prática, quais ações podem ser tomadas pelo setor privado, a sociedade civil e os governos para atingir os objetivos do capítulo de comércio internacional e gênero? 

 

É essencial que o setor privado e a sociedade civil de modo geral se envolvam na implementação deste e de outros capítulos do acordo. E a implementação mais óbvia deste capítulo é sua divulgação para mulheres que possam se beneficiar das cláusulas do acordo, atividades do tipo “como fazer…”. É possível propor ações ao governo e mesmo organizar diretamente atividades que se encaixem no rol elencado no capítulo – combinando com agentes públicos. Pode ser um encontro de líderes mulheres de um setor específico vinculado ao comércio internacional, pode ser uma linha de pesquisa sobre os temas afins ao acordo, com viés de gênero, pode ser um curso binacional sobre um tema mais técnico do acordo, voltado a operadoras de comércio internacional. Pode ser, inclusive, o estímulo a uma rede como a WIT com o Chile e na região. Lembremos que o acordo de modo geral é realmente amplo, com capítulos sobre facilitação de comércio, propriedade intelectual, pequenas e médias empresas, entre muitos outros. Há muito assunto de interesse das mulheres dos dois países a serem explorados.


  • O Brasil, no âmbito do Mercosul, está negociando uma rede ampla de acordos comerciais, sobretudo com parceiros norte-americanos, europeus e asiáticos. No caso do acordo com o Canadá, por exemplo, sabe-se estão sendo negociadas regras sobre gênero e povos indígenas, que fogem do escopo tradicional de um acordo de livre comércio. O que podemos tirar de lição do acordo Brasil-Chile para os demais acordos?

 

Será importante avançarmos nas discussões internas, no Brasil, para a definição de interesses e objetivos nossos sobre esses temas no âmbito das negociações comerciais. Nós temos muito preparo para lidar com esses assuntos nos foros internacionais próprios, e temos obviamente muita capacidade em negociações comerciais de modo geral. A reflexão interna sobre comércio e gênero, entre outros temas, tem evoluído e terá que ir se traduzindo em posições mais consolidadas e estruturas negociadoras mais especializadas. 

Mas a principal lição é que esses temas não têm que ser um bicho-de-sete-cabeças. 

No caso do acordo com o Chile, muitas das ações acordadas são de cooperação, trocas de experiências, intercâmbios de vários tipos. Servem, em muitos casos, para divulgar o acordo e as oportunidades que ele traz a setores específicos, o que é fantástico em termos de fortalecer o diálogo com a sociedade e mostrar que os benefícios de um acordo comercial podem ser mais democráticos do que alguns acreditam.


Entrevistada: Juliana Santos Diplomata de carreira desde 2001. Trabalhou em negociações extraregionais e mais recentemente chefiou a Divisão de Negociações Comerciais Regionais do MRE. Serviu nas Embaixadas do Brasil na Argentina e no México – chefiou a área de política comercial e MERCOSUL na Argentina. Atualmente é Cônsul Geral Adjunta do Brasil em Barcelona. Formada em Relações Internacionais e tem mestrado em Sociologia das Relações Internacionais pela USP.